A Judiciária continua a apontar as baterias para dentro da Polícia Nacional, mas ainda não conseguiu resolver o mistério do desaparecimento dos três pacotes de cocaína que estavam guardados na Esquadra da Brigada de Investigação e Combate à Criminalidade, na Praia. Uma semana após o ocorrido, as investigações prosseguem e, conforme testemunhas, por estes dias nota-se um constante vaivém de agentes da PN na sede da PJ. Este semanário conseguiu apurar que todos os elementos da BICC, sem excepção, vão ser interrogados pela Judiciária.
Por enquanto, a PJ mantém o sigilo guardando os resultados a sete chaves, mas este jornal apurou que os investigadores têm em mãos um vídeo gravado pelo sistema de vigilância instalado na Esquadra, que poderá ser bastante útil para a resolução do enigma. Tudo indica que nem todos os meliantes conseguiram esconder-se convenientemente do alcance das câmaras de filmagem. Apesar de, conhecedores do meio, terem tomado as “devidas precauções” – apresentaram-se encapuzados e usando luvas para fugir à perícia – a câmera-vídeo colheu detalhes suficientes para identificar alguns do grupo.
A acreditar numa fonte deste jornal, pelo menos um suspeito já está “quase” no xelindró. O vídeo mostrou-o mascarado, com roupa em tons claros e luvas. Seguindo a máxima dos romances policiais de que não há crime perfeito o BAC terá cometido um erro que o denunciou. E essa história da polícia que vira criminoso vai conhecer novos episódios, já que há mais assaltantes nas imagens que estão a ser analisadas. Portanto, outros vão ser identificados.
Mudança nas chefias
O roubo dos pacotes de cocaína caiu tão mal no âmago da Polícia Nacional e do próprio Ministério da Administração Interna que fez acelerar o processo de mudança de chefias programado pela cúpula da corporação. Os visados foram os comandantes regionais da Praia, de Santa Catarina e da Calheta, além da própria liderança das Brigadas de Investigação Criminal e Anti-Crime. Trata-se exactamente dos departamentos da PN que, na perspectiva de um oficial, estiveram envolvidos na investigação e recolha das malas de cocaína que deram à costa na praia de Calheta, no Município de S. Miguel. “Só que o desempenho não foi o mais adequado. Acho correcto que sejam afastados para que a investigação possa decorrer de forma transparente”, entende a nossa fonte.
Porta da rua, serventia da casa
Aliás, no acto de empossamento dos novos comandantes, ocorrido no dia 18 de Julho, tanto a ministra Marisa Morais, como o Director Nacional da PN, Carlos Graça, manifestaram o seu repúdio pelo sucedido e deixaram claro que não irão pactuar com actos que coloquem em causa a imagem de uma corporação como a Polícia Nacional. A governante chegou mesmo a convidar os policiais “menos dignos e sérios” a abandonarem a PN, usando a porta de saída mais próxima. Marisa Morais mostrou-se agastada com os efeitos sociais da notícia do roubo dos pacotes de cocaína e admitiu que a mudança dos comandantes foi apressada por esse acontecimento.
“A movimentação geral na PN acontecerá, em princípio, em Setembro. Achamos oportuno, neste momento, fazer esta mudança em prol da dinâmica e defesa dos valores desta corporação”, enfatizou Morais. A ministra falou após a tomada de posse dos novos comandantes regionais e da BIC-BAC, um acto que antecedeu a realização do VI Encontro Nacional de Comandos e Chefias da Polícia Nacional.
Assim, João Gonçalves substitui Guilherme Cardoso no Comando da PN na Praia; Alcídes da Luz assume o lugar de José Rui Alves no Comando de Santa Catarina; José Lima passa a chefiar a BIC-BAC, posto antes ocupado por José Gabriel Duarte; e Francisco Rodrigues substitui Herculano Semedo na chefia da Esquadra de Calheta de São Miguel, o Município onde deram à costa as maletas recheadas de droga.
Por enquanto ninguém sabe explicar por que razão tanta cocaína, ainda mais de elevada pureza, foi atirada ao mar, nem se sabe ao certo a proveniência e a quantidade envolvida. O certo é que houve populares e traficantes da cidade da Praia que fizeram de tudo para tirar proveito dessa “dádiva dos mares”. Fala-se até que agentes da PN não resistiram à tentação. A situação é tão caricata que três pacotes contendo cerca de três quilos do estupefaciente recuperado pela PN levaram sumiço, nas instalações da própria BICC, horas antes de serem entregues à Judiciária. A forma como os meliantes agiram deu logo a entender que poderão ser pessoas conhecedoras da casa.
Ministra em discurso directo
“A nível individual, não podemos obrigar as pessoas a serem dignas, sérias e a dar o melhor de si próprias. Mas aqueles que dentro da PN não tiverem condições para cumprirem esses três requisitos mínimos, terão de utilizar a porta de saída mais próxima”.
Aos comandantes exortou a perseguirem qualquer comportamento menos digno de qualquer agente ou chefia da PN, porque “é a imagem daquilo que construíram ao longo de anos de dedicação que é colocado em causa com esse tipo de comportamentos”.
“Para exercer a função de Polícia é um imperativo ético o cumprimento da lei, sendo natural que qualquer agente ou chefia da polícia deva ter sempre presente, que tem uma responsabilidade ética”.
As palavras da ministra foram corroboradas pelo Director Macional da Polícia Nacional, Carlos Graça, no acto de empossamento dos novos comandantes.