A ilha Brava teve na primeira hora um papel secundário na historia de Cabo Verde. Fazia parte da reserva onde predominava a criação ostensiva de gado e ate o século XVII teve o povoamento rarefeito baseado em pastores e pequenas comunidades. É nos finais do século XVII que a Brava se torna uma ilha de povoamento.

No século XIX Brava é uma escala marítima importante de navios de varias nações, que vem fazer um pequeno comercio de escala e obtenção da água e de animais. A partir desta data a ilha torna-se uma escala quase obrigatória de baleeiros e abre-se muito precocemente a migração dos Estados Unidos da America.

Devido à indústria baleeira americana e, sobretudo a instabilidade sócio-econômica da ilha, os bravenses ligam-se aos EUA, onde vive a sua grande moldura humana, que se afirmam personalidades ao longo dos tempos, a manter vivo o bom nome da ilha.

Personalidades como o Bispo Marcelino da Graça, mais conhecido por Deby Grace, membro do Supremo Tribunal George Leiton, o investigador Marcelo Bala, a cineasta Clair Andrade, o deputado estadual Viny de Macedo e pedagogo Donaldo Macedo, entre outros. São alguns exemplos deste enorme potencial humano, cuja tradição de excelência vem de trás.

A ilha Brava foi a seu tempo, polo de referencia da intelectualidade do arquipélago. A sua centralidade estava no conhecimento e na afirmação da inteligência cabo-verdiana. A ilha teve de facto uma classe intelectual marcante com forte pendor da causa cabo-verdiana. Os motivos que propiciaram a criação desta classe tema ver com a crise de centralidade que existiu nos meados do seculo XIX.

Segundo o decreto de 1838 da Rainha Portuguesa D. Maria II, a capital deveria ser no Mindelo, entretanto, as elites da Praia e de Santa Catarina resolve bloquear esta possibilidade, peticionando a favor da Vila da Praia. Esta petição histórica faz com que o Governador Fontes Pereira de Melo fixe-se residência temporária na ilha Brava, pondo-se a salvo da disputa, levando com ele um conjunto de funcionários.

Esse Governador vai recrutar um intelectual português, que tinha feito exílio em Paris, Vitorino Dantas Pereira. Este intelectual português fundou o Liceu da Brava. Este Liceu vai ser muito importante, apesar de funcionar durante pouco tempo. Forma um conjunto de intelectuais e faz da Brava um centro pedagógico e escolar do arquipélago de Cabo Verde.

Este centro foi deslocado para Praia, mais tarde para São Nicolau e ainda mais tarde para São Vicente. Mas o inicio do ensino pos-primario em Cabo Verde foi na Brava e isto abre um ciclo de construção intelectual extremamente interessante.

Jose Vera Cruz, pai adoptivo de Eugenio Tavares, depois Eugenio Tavares, Augusto da Silva Pinto Ferro, alguns grandes intelectuais, homens da administração, tiveram origem da Brava.

Esta ilha, pelos intelectuais que legou a Cabo Verde e pela forma como estes encaravam a caboverdianidade, é um dos redutos do nativismo do arquipélago e em conseqüência o despertar do nacional, já nos fins do século XIX.

Eugenio Tavares foi a figura que corporizou a cutilancia e a força da intelectualidade criola. Eugenio Tavares enquanto nativista é um dos que perfila entre os chamados protonacionalistas cabo-verdianos.

Outro nome que perfila neste movimento é Luis Loff de Vasconcelos, também oriundo da Brava. Considera-se o nativismo marcante na ilha, como momento fundamental para formação da idéia da caboverdianidade.

Aparece pela primeira vez, talvez não de uma forma consciente como ideologia formada, o sentimento da valorização do nativo, dos seus valores culturais, sem abrir mao de ser português, querendo ser também cabo-verdiano.

Esta é uma geração que pendura entre a grande pátria, Portugal, e a pátria mais restrita que é Cabo Verde. Eugenio Tavares, que é tomado como símbolo maximo desta geração, chegou a dizer e ficou  num jornal mindelense de 1913, “português de sangue e coração, mas acima de tudo sou cabo-verdiano”. E era isso que estes homens defendiam. O reconhecimento e a valorização do homem cabo-verdiano. Tavares defendiam a existência dos portugueses de la e os ca. “Nos somos os portugueses de ca”.

O marco deste período histórico está patente no busto de Eugenio Tavares, “Nho Eugenio” como é carinhosamente tratado pelos bravenses, na Praça homônima, onde fica a Câmara Municipal.

Toda a Vila de Nova Sintra está marcada de gratas referencias de Eugenio Tavares, e aqueles da sua geração. Camilo Goncalves, Presidente da Câmara, numa certa altura disse que a edilidade está a empreender uma relação de afectividade mais sistemática com a figura de Eugenio Tavares, com vista a perpetuar o seu legado. Foi nesta perspectiva que, em conjunto com amigos nos EUA, construiu um busto em memória ao poeta.

Eugenio Tavares  foi um homem multifacetado, filosofo, poeta popular, mas também erudito, e foi sobretudo, um grande jornalista. Escreve nos jornais, publicista, polemista, animando jornais e movimentos. Eugenio foi a cara da luta pela cidadania plena.

A idéia dela era transformar o império colonial português numa paternidade.

Eugenio Tavares foi um autodidacta e realizou-se desta forma, mas de alguma forma frustado, no fundo, por toda uma situação, que consideravam de injustiça, que era uma questão política.

Importa também afirmar que os estudiosos consideram Eugenio Tavares como um dos grandes tutores da língua portuguesa, trabalhada em suas diversas formas. Exímio na prosa e verso, mas também como polemista em panfletos, cívicos e políticos, alguns dos quais explicam as perseguições que teve durante a vida.

Era igualmente, um exímio senão mesmo uma figura modal no concernente a língua cabo-verdiana, sobretudo, nas suas opiniões em prol da língua materna nas suas composições musicais.

ET considerava o reconhecimento da língua criola a par da portuguesa, como uma questão de cidadania. O bilingüismo simboliza, a todos os títulos, a complementaridade do homem cabo-verdiano.

O poeta bravense interpela a sociedade com um olhar, não apenas historiográfico, mas também mítico. Há muitas historias e lendas a volta do Eugenio Tavares. Tavares, entre suas gentes, não é reconhecido apenas como mornista, poeta, compositor ou polemista, é lembrado sobretudo como uma figura mítica. Nho João di Ida, conhecido bravense, disse que quando Eugenio Tavares morreu, ele ainda era criança. Mas lembra de ouvir gritos por montes e vales, quando a 1 de Junho de 1930, Tavares deixou o convívio dos bravenses.

“Eugenio era amigo de todos e gostava muito de visitar Ponta Achada. Tavares namorava uma das lindas moças de Ponta Achada e passava todas as tardes a porta de casa da minha mãe”.

Alem de ET, Luis L. Vasconcelos, Rodrigo Peres e muitos outros, determinaram a imagem da ilha como espaço de cultura.

Pela marginalidade a que está votada a ilha demanda uma urgente atenção a todos os níveis. As comunicações e os transportes continuam periclitantes. Não há aeroporto, ou pelo o existente não está operacional. As carreiras marítimas alem de precárias, não são regulares, pelo menos com a capital do país.

Apesar de oferecer um micro-clima ameno, uma paisagem de sonho e sobrados patrimoniais, o turismo ainda não é uma realidade sistemática, mercê da precariedade de algumas condições super-estruturais e infraestruturais.

A dinâmica do desenvolvimento econômico do país tem uma assimetria em prejuízo da ilha da Brava, até certo ponto marginalizada do processo.

Esta assimetria devera ser corrigida com o correcto e pesado investimento na historia e na cultura da ilha. Estes dois importantes aspectos, mais do que quaisquer outros, representam o grande potencia endógeno do desenvolvimento mais sustentado da ilha.

A notável a riqueza cultural da Brava e obra das suas figuras ilustres. a contribuição histórica da Brava no domínio da cultura poderá ser um motivo de recentramento da ilha no todo nacional.

Visitar a ilha e centrar nas suas potencialidades é algo que interpela a todos, como dever de firmação de uma realidade que nos mostra pacata e mítica, mas que demanda um esforço de todos.

Patrimônio de rara beleza e de profunda significância, a ilha Brava ainda tem muito a dar a si própria e a Cabo Verde. Isso se voltarmos a nossa idéia de desenvolvimento com os vectores da harmonia, da memória, da sustentabilidade e da estética.