Sines, 31 jul (Inforpress) – O mundo é redondo, “não tem frente ou trás, esquerda ou direita”, o que não impede, porém, que o discurso dominante ainda seja o “do primeiro, do segundo e do terceiro mundo”, lamenta o ministro da Cultura cabo-verdiano, Mário Lúcio Sousa.
O também músico Mário Lúcio, que no sábado à noite deu um aplaudido e emotivo concerto no Festival Músicas do Mundo, em Sines, conversou com a agência Lusa hoje de manhã, mostrando estar atento aos movimentos de indignados que têm saído à rua um pouco por todo o mundo.
“A redondez do mundo impõe uma aceitação da não hierarquia entre as nações”, sustenta Mário Lúcio, ministro da Cultura de Cabo Verde desde Março, seguindo-se ao brasileiro Gilberto Gil na conciliação da música com a política.
Essa conciliação “é fácil”, porque “tudo é fácil quando se é coerente, quando se é a mesma pessoa em casa e no parlamento, no governo ou no palco”, garante Mário Lúcio, recordando: “Cada pessoa é no mínimo duas pessoas, como dizia José Luis Borges”.
Tendo como valores fundamentais a “criatividade” e a “honestidade”, o músico-ministro assegura: “Sou uma e a mesma coisa.” E à falta de tempo responde que sempre esteve “habituado a trabalhar dez a doze horas por dia”.
Já no sábado à noite, durante o concerto, numa das várias vezes que conversou com o público (alternando entre o português e o crioulo), tinha partilhado: “Ninguém sabe como é bom estar a discutir o estado da nação, ontem, no parlamento cabo-verdiano e estar aqui, hoje, com o mundo.”
Na despedida de Sines, apelou ao público para não desistir de gerar “um novo mundo”, contra aqueles que “querem impor um mundo outro”. Em entrevista à Lusa, concretizou: “Esse novo mundo não tem a ver com espaços geográficos. Esse novo mundo está-se a tornar um mundo planetário, o mundo está a virar um arquipélago. Não se pode querer mais cercar o mundo com leis e normas antigas.”
Hoje em dia, exemplifica, quando se pensa em “quem é português, não se pode ir nem pela cor da pele, tão pouco pelas pessoas que habitam Portugal”, lamentando o “discurso medieval” que continua a “tentar controlar as dinâmicas sociais através de leis e de bancos”.
O “novo mundo” está também “a gerar um conjunto de novas coisas, de nova gente, novos jovens, novos velhos, novas línguas e novas posturas e isso não se pode mais domesticar”, acredita, falando entusiasmado sobre as revoltas sociais em Espanha e na Tunísia. “Já não são os exércitos que fazem as revoluções. Já não são os capitães de abril, são os capitães da areia”, exulta.
“Não queremos mais o velho mundo, nós somos o novo mundo”, reivindica, assegurando que “já há também novos políticos, pessoas que se emprestam à política com aquilo que já sabem fazer” – “eu considero-me um novo político”.
Sobre a cultura, Mário Lúcio diz que “o desafio em todos os Estados do mundo é o financiamento” e a sua “inclusão na economia”, fazendo com que seja “um elemento de desenvolvimento”. Em Cabo Verde, sublinha o ministro, “há uma orientação política clara” neste sentido.
Descrevendo Cabo verde como “um país aberto”, que “está em renovação todos os dias”, Mário Lúcio elogia “uma novíssima geração” de músicos que “partem das raízes, mas todos os dias estão em sintonia com o que de mais moderno se faz no mundo”.
“Para nós, a tradição é o clássico, é aquilo que fazemos todos os dias, é a contemporaneidade. É aquilo que se moderniza todos os dias, aquilo que se vai passando de mão em mão todos os dias”, explica.
Esta foi a segunda vez que Mário Lúcio, vestindo branco como é habitual, tocou no festival de Sines – a primeira foi com os Simentera, em 2003. Desta vez, o concerto girou em torno do seu último disco, “Kreol” (2010) – sobre o que virá a seguir só ele sabe os detalhes, porque não gosta de falar do futuro.
Músico-ministro Mário Lúcio em concerto no Festival Músicas do Mundo, em Sines
31-07-2011 21:52