Biografia de Aristides Pereira

26-09-2011 13:02

 

 

 

Natural da Boa Vista, nascido a 17 de Novembro de 1923, Aristides Pereira foi o primeiro Presidente de Cabo Verde após a independência a 5 de Julho de 1975, cargo que ocupou até às eleições democráticas de 1991, as primeiras eleições livres no país. Foi candidato derrotado nessas eleições, perdendo para o candidato independente, António Mascarenhas Monteiro. Após essa derrota Aristides Pereira decidiu retirar-se da vida política.

A política ficou para trás não podia ficar esquecida. O antigo Presidente da República, ex-líder do PAIGC, e companheiro de luta de Amílcar Cabral, pressionado por Iva Cabral, filha de mais velha de Amílcar, escreveu “O Meu Testemunho”, obra na qual confessa que foi através da troca de correspondência que decidiu escrever as suas memórias de luta armada. Assim pode ler-se uma das mensagens que Iva lhe passou: “é um dever que tens perante a História, mas também perante mim e todos os outros jovens que vocês criaram e que por isso estão ligados ao nosso passado”.


A viagem para Guiné-Bissau e a causa colonial


O papel de Aristides Pereira na Historia comum de Cabo Verde e Guiné-Bissau começa com a decisão de emigrar para Guiné, decorria o ano de 1947. Na base desta decisão súbita, de deixar as ilhas do Atlântico, terá contribuído o facto de o país viver uma das mais terríveis secas que assolava a população nos anos 40.


Em Bissau, Aristides Pereira trabalhou para os serviços dos CTT, após cumprir prova de admissão, na província de Bafatá. À chegada foi recebido por amigos cabo-verdianos, alguns deles jogadores de futebol na Guiné-Bissau.

Uma vez em Bafatá a adaptação ao clima não foi fácil, pelo meio surgiram problemas de saúde. Nos primeiros quinze dias em Bafatá, Aristides ficou seriamente doente, consequência de um resfriado devido ao clima húmido e frio, que o atirou para às camas do Hospital Central da Guiné no qual passou três longos meses de internamento e depois um período de recuperação passada na capital de Cabo Verde.

De volta a Bissau, e fazendo-se valer da anterior doença, não foi enviado para Bafatá tendo sido destacado na capital, onde permaneceu até 1951 e mais tarde destacado para os serviços dos CTT em Bolama.

Uma província excelente em relação ao clima, “onde as pessoas tinham medo em relação a tudo o que era política” – conforme descreveu o ex-presidente da República Cabo-verdiana no seu livro ‘O Meu Testemunho’.

Aristides Pereira conheceu Amílcar Cabral no ano quando regressava a Guiné-Bissau após um período de férias passadas em Cabo Verde. Este acontecimento iria mudar definitivamente a vida de Aristides, pois até à data não tinha travado contacto com os movimentos nacionalistas.

O despertar do nacionalismo na Guiné-Bissau, na visão de Aristides Pereira ficou a dever-se aos “acontecimentos de 1942”, quando o Governo do governador Vaz Monteiro levou a cabo um conjunto de atrocidades e mortes que impulsionaram o despertar do nacionalismo.  

“A situação era de tal modo caótica, que havia sítios na Guiné onde as pessoas eram sacrificadas (...) do mesmo modo do que acontecia na Alemanha da segunda Guerra Mundial. Foi a partir deste momento que os "filhos da Guiné" tomaram consciência da necessidade da luta armada para defesa da sua soberania, escreveu Aristides Pereira no seu livro autobiográfico.  

Após este período seguiu-se uma fase de profunda consciencialização da causa nacionalista das colónias Africanas, que culminou com a criação do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). 

 
A fundação do PAIGC e a intervenção de Aristides Pereira 

O PAIGC foi fundado a 19 de Setembro de 1956 em Bissau, por Amílcar Cabral, juntamente com mais cinco elementos que viriam a ser camaradas de armas de Cabral, entre eles contam nomes como Aristides Pereira, Luís Cabral, Fernando Fortes, Júlio de Almeida e Elisée Turpin. O grande ausente na reunião foi Abílio Duarte, companheiro de longa data de Cabral. 

A formação do PAIGC foi feita de forma clandestina em Bissau, com bases também na Guine-Conacry. Em 1960, o PAIGC deixava a clandestinidade passando a ser reconhecido pela ONU e por outros países, que abraçaram a causa nacionalista do PAIGC na lutar pela auto-determinação de Cabo Verde e Guiné-Bissau.  

Em Conacry, Aristides Pereira, ocupou o cargo de Secretário-geral adjunto do PAIGC de 1964 até Janeiro de 1973, altura do assassinato de Amílcar Cabral. No II Congresso do partido, em 1973, foi eleito para o cargo de Secretário-geral. 

Com o desaparecimento físico de Amílcar Cabral, um vazio surgia no seio do PAIGC. Encontrar um novo líder era crucial para dar continuidade ao trabalho de Amílcar Cabral e nos processos de luta armada, mas havia algumas questões indefinidas entre os membros do partido.

Alguns mais cépticos e receosos com a possibilidade de novos assassinatos caso fosse eleito outro cabo-verdiano para o cargo de Secretário-geral do PAIGC, propuseram a nomeação de um guineense, apoiado por um cabo-verdiano. Mas esta ideia não foi consensual entre os membros do PAIGC, que acabaram por eleger outro cabo-verdiano para o cargo.    
                
Nesta encruzilhada de pensamentos e anseios encontrava-se Aristides Pereira, com o dilema: aceitar a nomeação para o cargo de dirigente máximo do partido ou recusar. Mas, conforme referiu numa das passagens do seu livro ‘O Meu Testemunho’, “uma vez colocada de lado a angústia concentrei-me fundamentalmente nos interesses superiores da nossa luta e no nosso herói do povo guineense e consequentemente nos combatentes em geral”. 

Após as diligências finais deste processo e eleição do novo Secretário-geral do partido, e como resposta ao assassinato do antigo líder Cabral, as acções de luta do PAIGC endureceram de tal modo que se traduziram numa rápida supremacia do PAIGC sob o exército português, ao mesmo tempo que decorriam acções diplomáticas junto da comunidade internacional, chefiadas por Aristides Pereira para o reconhecimento da causa do PAIGC.

As roturas com PAIGC e o surgimento do PAICV

Com a independência de Cabo Verde a 5 de Julho de 1975, Aristides Pereira foi eleito o primeiro Presidente da República, entretanto reeleito nos anos de 81 e 86. Foi nomeado em 1981 para o cargo de secretário-geral no I Congresso do PAICV, sendo em 1983 e 1986, reeleito pelos II e III Congressos.

No dia 18 de Novembro de 1980, um grupo de militantes descontentes com o facto de o PAIGC ser presidido por um cabo-verdiano levou a cabo uma sequência de acontecimentos que levaria a roturas entre as duas facções do partido. 

Sob o comando de Nino Vieira, o grupo denominado de Concelho de Revolução tomava o poder na Guiné-Bissau, derrubando o actual Chefe de Estado guineense, Luís Cabral que tinha sido eleito democraticamente.

Nesse entretanto houve troca de correspondência na altura entre o secretário-geral do PAIGC, Aristides Pereira, e o Presidente do Concelho de Revolução, Nino Vieira, a pedir a libertação do Presidente da Guiné-Bissau deposto, bem como o fim dos conflitos, para o rápido regresso à normalidade no país, recordando os ideais de Cabral e os fundamentos base sobre os quais o PAIGC tinha sido criado. 

Mas os diversos apelos ao regresso à normalidade não surtiram efeito, o que viria a causar a rotura política e ideológica entre os dois países, pondo termo à união entre Guiné e Cabo Verde. Assim sendo em Janeiro de 1981 surgia o Partido Africano para a Independência de Cabo Verde – PAICV derivado da rotura com a facção guineense do PAIGC.

O PAICV surgia das bases históricas do PAIGC, com Aristides Pereira envolvido na procura de uma solução pacificadora para a situação da Guiné-Bissau, algo que não veio a ser possível nos anos seguintes.
Nino Vieira proclamou-se Presidente da Guiné-Bissau. Ficou no poder até ao golpe de Estado perpetuado por Ansumane Mané a 7 de Junho de 1998. 

 

Após a saída da vida política  

Após perder as eleições presidenciais em 1991, Aristides Pereira afastou-se definitivamente da vida política activa.

Um político com sentido de Estado, discreto e comprometido com o desenvolvimento do seu país, assim se pode falar de uma das mais importantes figuras da política cabo-verdiana, que já foi por inúmeras vezes homenageado. As homenagens mais recentes foram no XII Congresso do PAICV, pela Câmara Municipal da Praia e pela comunidade cabo-verdiana residente em Portugal. 

Em Julho de 2007, Aristides Pereira foi hospitalizado em França, após sofrer "um problema cardíaco”, quando seguia a bordo de um avião da TAP, proveniente de Londres e com destino a Lisboa, na companhia da mulher Carlina Pereira. 

Ainda em 2010, em Lisboa para ser homenageado pela Associação Cabo-verdiana, Aristides Pereira, sofreu uma fractura do perónio e teve que ser operado de urgência em Coimbra.
 
As Condecorações 

O seu papel na luta independentista e a carreira política de Aristides Pereira foram apreciados por vários países: A República da Guiné distingue-o com a medalha de Fidelidade ao Povo (1º grau) e com a medalha da Ordem Amílcar Cabral (1° grau); o Senegal, com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Leão; a Jugoslávia, com a medalha da Ordem da Grande Estrela da Jugoslávia. 

Moçambique, com a medalha da Ordem Eduardo Mondlane (1° grau); Portugal, com o grande colar da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada e o grande colar da Ordem do Infante D. Henrique; o Brasil, com o grande colar da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul; Cuba, com a medalha da Ordem José Marti; Angola, com a medalha da Ordem Agostinho Neto; e Cabo Verde, com a medalha da Ordem Amílcar Cabral (1° grau). É também Doutor Honoris Causa pelas Faculdades de Direito das Universidades de Rhode Island (Providence, EUA), Sacred Heart, de Bridgeport (Connecticut, EUA), Usmanu Danfodyo (Sokoto, Nigéria) e pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

O seu objectivo, estudar a luta travada pelo PAIGC pela libertação da Guiné e de Cabo Verde, constitui uma importante contribuição para a história dos dois países - como, aliás, o Prof. Joseph Ki-Zerbo, pai da historiografia africana, salienta no prefácio -, pois põe à disposição do grande público o resultado de uma interpretação interactiva das memórias de antigos combatentes cruzada com informações extraídas dos arquivos portugueses e do PAIGC.